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O Penedo da Moura


Era uma vez um penedo. Duro e misterioso, alimentava a curiosidade e o medo das gentes das redondezas e era tão antigo como o segredo que encerra. Ainda lá continua, a desafiar o desgaste do tempo e a valentia dos espíritos mais obstinados que teima em não reaparecer, depois do sucedido naquele princípio de noite. Três rapazes decidiram avançar na conquista das entradas do rochedo. Desde pequenitos, tinham sido ensinados a alimentar o fascínio por aquele local, mas também a permanecerem quietos por causa do medo. Vezes sem conta, haviam escutado da boca do velho do lugar a estória de uma moura encantada e de um tesouro infinito encerrado nas entranhas do penedo. Difícil era conseguir abri-lo. Mais difícil ainda, mantê-lo aberto e apoderar-se do tesouro sem que nenhuma desgraça acontecesse. As longas conversas do velho, debaixo da oliveira, falavam de um sem número de cuidados a tomar para que tudo corresse às mil maravilhas. Mas a verdade é que nunca ninguém tinha ousado cumprir a preceito aquelas regras, para se apoderar de tamanha fortuna. Numa sexta-feira, porém, os rapazes resolveram tentar a sua sorte. Sem que a vizinhança, nem familiares se aperceberam, trataram de arranjar um livro de S. Cipriano, o que nem foi nada fácil. Depois, o Lúcio, que era o único que sabia ler, tratou de procurar as orações e os responsos e de estudar, com perfeição, o ritual. Tudo como o velho lhes contara, para que tudo corresse bem…

Chegamos ao local, para os três tão familiar como fascinante, Lúcio colocou-se em frente do penedo, como o livro aberto, numa postura solene que nem um sacerdote pronto para presidir a uma liturgia. Alberto e Carlitos ficaram bem juntos, um pouco mais à frente, ambos com os olhos fixos na cavidade do enorme penedo e o pensamento, obsessivamente, concentrado no que tinham de fazer. Ou melhor, no que não podiam fazer... Lúcio começou o ritual, com rigor e compostura. Via-se que acreditava na cerimónia que estava a oficiar. Depois de uns minutos de rezas, que mais pareceram uma eternidade, ouviu-se um barulho estranho. Qualquer coisa como o chiar de uns ferrolhos gigantescos, carcomidos pela ferrugem de século. Vinha das profundezas cavernosas e fazia-se ecoar pelas entranhas da terra. Terminou com um enorme estrondo, semelhante a um portão que tomba, desamparado. E, de imediato, um vento quente bateu no rosto de Alberto e de Carlitos que observavam, aterrados, tudo o que estava a aconteceu, enquanto Lúcio prosseguia a leitura. Foi então que o penedo se abriu aos seus olhos. Uma galeria imensa de luz e de riqueza projetava-se no infinito. E os dois aventureiros deram o primeiro passo e, depois, o segundo e o terceiro …,até que pararam, fascinados, a contemplar tanto ouro e tanta beleza... Nesse instante, Carlitos contornou uma coluna gigantesca e olhou para o lado esquerdo. Uma serpente com cabeça de mulher deslizava na sua direção. Numa fração de segundo, beijou o rapaz que, instintivamente, soltou um grito de terror e, erguendo as mãos para se proteger do monstro, olhou para trás, à procura de Lúcio. Carlitos deitou tudo a perder...Fez-se uma horrível escuridão e um silêncio de morte...Quando os três rapazes recuperaram os sentidos, estavam caídos no chão e tremiam como varas verdes. A noite já tinha caído e, no firmamento, brilhava, firme e esplendorosa, uma lua cheia, da cor do ouro. Por mais que puxassem pela cabeça, apenas se recordavam de ter sentido uma enorme aflição e de uma rajada de vento quente os ter arrastado... O livro de S. Cipriano nunca mais o encontraram fugir daquele local. Mas as pernas respondiam com dificuldade. Até que, por fim, depois de muito esforço, chegaram a casa. E fizeram uma promessa: nenhum dos três abriria a boca sobre o que se tinha passado. Era um segredo que haveria de morrer com eles...

Na manhã seguinte, uma rapariga dirigiu-se, como de costume, para a fonte que a memória do tempo sempre conheceu junto do penedo. A frescura cristalina da água da bica enchia, de Inverno e de Verão, os cântaros dos moradores naquele lugar. Mas, nesse dia, a moça encontrou algo surpreendente! O fio de água estava seco...

Nem teve tempo para pensar no sucedido e no estranho milagre da falta de água. Porque, no mesmo instante, avistou uma mulher que descia do penedo, na sua direção. Tinha pele morena, cabelos pretos e olhos escuros e grandes como duas azeitonas.

- Não te preocupes. A fonte secou, mas eu vou encher-te o cântaro de água preciosa- disse ela para a rapariga, ainda aturdida com o que se passava à sua volta. E, sem que a moça tivesse tempo para perguntar o quer que fosse, a mulher desconhecida encheu-lhe o cântaro de palha seca e avisou:

- Vai para casa. Mas olha bem para o que eu te digo: pelo caminho, não tires o cântaro da cabeça, nem olhes para trás. Ouviste bem? Então, anda, vai embora...

A rapariga obedeceu. Só que, quando desfez a primeira curva, começou a pensar melhor no que tinha acontecido. E na situação ridícula em que tinha caído.

- Ora essa, era o que me faltava agora, andar com um cântaro cheio de palha, a fazer figura de palerma!- pensou para consigo própria. E não esteve com mais demoras. Pegou no cântaro e atirou a palha à berma do caminho.

Oh! Milagre dos milagres... Os seus olhos nem queriam acreditar! A palha transformara-se em ouro mais brilhante do que o sol.

- O que é isto?- repetia a moça, com as mãos atadas à cabeça. E, antes que os seus olhos a enganassem, abaixou-se, devagarinho, sobre a palha, agora feita ouro, e começou a apanhar aquele tesouro. Mas, nesse instante, o metal precioso derreteu fugiu-lhe dos dedos, infiltrou-se no solo.

Os vizinhos vieram encontrar a rapariga, por terra, a chorar. Depois de saberem do sucedido, todos disseram o mesmo:

- A mulher era a moura do penedo!

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