Era uma vez uma jovem de nome D. Brites, da família Quesado, ilustre pelos seus pergaminhos fidalgos.
Morava na vila de Viana, numa bonita casa alpendrada, que abria o pesado portão do vasto pátio para a rua da Bandeira, estreita e penumbrosa, com as lajes gastas, do rodar das carruagens e das ferraduras dos cavalos.
D. Brites era, além de jovem, muito formosa e muito rica. Vários fidalgos, como ela, e, como ela, jovens, belos e ricos, lhe cavalgavam sob o alpendre ornado de rosas, tentando atrair-lhe as atenções, candidatando-se, assim, ao seu amor.
Mas D. Brites amava já, e apenas, um moço cavaleiro, D. Lopo da Rocha, de bom porte e bons sentimentos, sempre pronto a desembainhar a espada pela honra e pela justiça.
Todavia, os pais preferiam, a D. Lopo, um parente, D. João Alvim, espadachim afamado e temido, soberbo do seu nome e dos seus haveres.
Também ele amava D. Brites, de uma paixão violenta e enciumada.
Mas D. Brites recusava-lhe os protestos amorosos, pois o seu coração pertencia já a D. Lopo.
Era costume, no dia do aniversário da filha única, os pais de D. Brites organizarem uma festa esplendorosa, nos salões da sua casa da rua da Bandeira.
Nesse ano, excederam-se, em divertimentos, danças, concertos e no aparato de um banquete copioso e requintado.
Eram muitos os convidados. Entre eles D. Lopo e D. João.
Mas os pais de D. Brites procuraram evitar, durante todo o serão, que a filha se encontrasse com o bem-amado, facilitando os galanteios do rival, colocando-o a seu lado na mesa, proporcionando-lhe a primazia das danças.
Em vão D. Brites, em vão D. Lopo, procuraram juntar-se, trocarem, ao menos, umas breves palavras de carinho.
Noite alta, finda a festa, D. Brites, iludindo a vigilância paterna, achou meios de acompanhar D. Lopo ao alpendre, para mais uma promessa de amor eterno.
A Lua havia-se ocultado atrás de umas nuvens pesadas.
Eram espessas as sombras.
Na cúmplice escuridão, os dois enamorados estreitaram as mãos ardentes.
Então, D. Brites jurou a D. Lopo que jamais aceitaria outro esposo; que jamais o seu coração pulsaria por outro homem, em sua vida.
Beijou-lhe as mãos D. Lopo, e desceu, confiante, as escadas de pedra que o levavam ao pátio, com o peito a arfar-lhe de suprema ventura.
Em baixo, porém, foi surpreendido por um brado de raiva.
D. João Alvim estava na sua frente, de espada em riste, disposto a separar, pelo sangue da morte, o par apaixonado.
E, sem permitir que D. Lopo tivesse tempo de empunhar, em sua defesa, a espada que lhe pendia do cinto, rasgou o peito do rival com uma estocada certeira.
Mas D. Lopo não morrera ainda e, num derradeiro esforço, conseguiu erguer-se, tomar, na mão, a firmeza da sua espada e varar D. João com uma estocada, igualmente certeira. Depois, tombou, desamparado, sobre as pedras do pátio, num último estertor.
Acudira D. Brites ao alpendre, ao ruído das armas.
A Lua libertara-se do véu das nuvens e o luar desvendava, aos seus olhos aterrados, os corpos dos dois jovens que lhes disputavam o amor!
D. Brites rolou, desmaiada, pelas escadas do alpendre florido.
E foi tombar, inerte, sobre o corpo ensanguentado de D. Lopo, a quem, momentos antes, havia prometido amor eterno.
A partir dessa noite, D. Brites vestiu de luto rigoroso, permanecendo solteira até ao fim dos seus dias.
A partir dessa noite, aquele pátio da rua vianesa da Bandeira passou a ser conhecido, pelas gentes do burgo, lamentando tal crueldade no amor, tal crime nefando que apartava dois corações puros e inocentes, como o Pátio da Morte.