Lenda das Pegadas do Santinho
Era uma vez um monte a quem chamavam Monte de Roques e ficava situado para os lados de Vila Franca, Mujães e Subportela, por onde desliza o rio Lima. Nos seus cimos, existira uma pequena povoação castreja, habitada por povos primitivos, dedicados ao pastoreio e à caça, pois, por aqueles píncaros, haviam-se ocultado, no escuro do arvoredo, a ferocidade do urso, a elegância da corça e o ímpeto sanguinário do javali.
O clã adorava, numa grande pedra ereta, o deus da fertilidade, e adorava, também, o Sol, como criador da vida, presidindo às colheitas, amadurando os frutos, aquecendo homens e animais.
Por vezes, a cobiça e a fome obrigavam aquela gente a empunhar o tosco das armas, em combates com outros castros mais prósperos, edificados em montes próximos, quer na margem direita, quer na margem esquerda do rio repousado.
No decorrer dos séculos, várias gerações destes clãs escutaram, alarmadas, vindo da fundura do vale, a cavalgada desordenada das hordas bárbaras, a disciplina cadenciada das legiões de Roma e o desfilar branco dos albornozes islamitas.
Mas todos estes invasores belicosos passavam ao largo do Monte de Roques, perdendo-se na distância, sem, todavia, deixarem um rasto de desolação, searas queimadas, pomares e vinhedos devastados, rebanhos dizimados.
Ora, um dia, trepou aquele monte um homem estranho, encanecido pela idade, de grandes barbas revoltas, vestindo uns farrapos de estamenha e calçando umas sandálias gastas e empoeiradas.
Vinha apoiando o corpo trémulo a um bordão grosso e nodoso, com que ia tateando os córregos ásperos e tortuosos. Ninguém lhe sabia o nome, nem de onde vinha, nem para onde ia. Com falas mansas mas firmes, pediu pousada na choupana mais humilde da aldeia. Embora ignorantes de todo o seu passado, as crianças, os velhos e os doentes souberam estar na presença de um homem bom e piedoso, pois que tinha, para eles, sempre a simpatia de um sorriso, o carinho de um afago e a ciência de um unguento para alívio das dores e cura de feridas.
Pouco a pouco, todos os habitantes do castro começaram a ver, nele, um espírito ardente de fé e caridade.
Pelas noites calmas, quando o povo se reunia ao redor de uma fogueira, para um convívio alegre, onde comentava a vida familiar, os trabalhos do campo, os episódios da caça, evocando, ainda, lances de antigas guerrilhas, entre vitórias e derrotas, o estranho homem erguia-se do seu lugar mais apagado e falava. Falava de quê?
De prodígios e mistérios. De um Deus clemente, único e universal, cujo filho, Jesus Cristo, enviara à terra para salvação das almas. Falava-lhes dos seus milagres e das suas parábolas santas que eram o Caminho, a Verdade e a Vida. Escutavam-no em silêncio, com estima e com respeito.
Ninguém lhes havia falado assim, do mundo e do além, do bem e do mal, com tal convicção, com tal fervor.
E começaram a ver na santidade daquele homem, que lhes despertava a alma com tal doutrina sublime, igualmente o perfil de um chefe que os orientasse nas lides quotidianas, que os guiasse na paz e na guerra.
E logo o convidaram para tão alto cargo que os honraria.
O santo homem ouviu, com seriedade, o convite, mas recusou-se a aceitá-lo, dizendo-lhes que a sua missão, ali, havia terminado. E que partia satisfeito por deixar, naquele castro do Monte de Roques, mais uma comunidade cristã, consciente do seu credo e disposta a defendê-lo e a divulgá-lo.
Nascia um dia primaveril, radioso, com o Sol a iluminar, mais verde, a paisagem de pinheirais, a florir de oiro as austrálias e as mimosas, a refletir o azul do céu nas águas do rio. O homem trepou para um enorme rochedo, que lhe era miradoiro maravilhoso sobre tudo em redor, e, ante o arrebatamento de todos, ergueu ao alto o seu cajado de madeira, lançando-o para longe, em direção ao monte vizinho, onde outro castro espreitava, sombrio e hostil.
Depois, sem hesitar, desceu até ao vale, entre alas comovidas, e desapareceu, num brilho fulgurante de Sol, para as bandas do mar. Na rocha que calcara, nesse dia do adeus, ficaram-lhe gravadas, com nitidez, as marcas das sandálias.
São as “pegadas do Santinho”, como lhes chama a tradição devota.
E aquele monte, para onde arremessara o cajado, passou a chamar-se Monte do Santinho, pois também ali passou a reinar a paz e a felicidade.
É pena que não se conheça o nome deste Santinho.
Se se conhecesse, fazíamos-lhe subir a imagem aos altares e, em data certa, havíamos de festejá-lo com missa solene e procissão, ao bimbalhar dos sinos, e, pela noite, com um arraial radiante de foguetório e do balancear dos viras.
O clã adorava, numa grande pedra ereta, o deus da fertilidade, e adorava, também, o Sol, como criador da vida, presidindo às colheitas, amadurando os frutos, aquecendo homens e animais.
Por vezes, a cobiça e a fome obrigavam aquela gente a empunhar o tosco das armas, em combates com outros castros mais prósperos, edificados em montes próximos, quer na margem direita, quer na margem esquerda do rio repousado.
No decorrer dos séculos, várias gerações destes clãs escutaram, alarmadas, vindo da fundura do vale, a cavalgada desordenada das hordas bárbaras, a disciplina cadenciada das legiões de Roma e o desfilar branco dos albornozes islamitas.
Mas todos estes invasores belicosos passavam ao largo do Monte de Roques, perdendo-se na distância, sem, todavia, deixarem um rasto de desolação, searas queimadas, pomares e vinhedos devastados, rebanhos dizimados.
Ora, um dia, trepou aquele monte um homem estranho, encanecido pela idade, de grandes barbas revoltas, vestindo uns farrapos de estamenha e calçando umas sandálias gastas e empoeiradas.
Vinha apoiando o corpo trémulo a um bordão grosso e nodoso, com que ia tateando os córregos ásperos e tortuosos. Ninguém lhe sabia o nome, nem de onde vinha, nem para onde ia. Com falas mansas mas firmes, pediu pousada na choupana mais humilde da aldeia. Embora ignorantes de todo o seu passado, as crianças, os velhos e os doentes souberam estar na presença de um homem bom e piedoso, pois que tinha, para eles, sempre a simpatia de um sorriso, o carinho de um afago e a ciência de um unguento para alívio das dores e cura de feridas.
Pouco a pouco, todos os habitantes do castro começaram a ver, nele, um espírito ardente de fé e caridade.
Pelas noites calmas, quando o povo se reunia ao redor de uma fogueira, para um convívio alegre, onde comentava a vida familiar, os trabalhos do campo, os episódios da caça, evocando, ainda, lances de antigas guerrilhas, entre vitórias e derrotas, o estranho homem erguia-se do seu lugar mais apagado e falava. Falava de quê?
De prodígios e mistérios. De um Deus clemente, único e universal, cujo filho, Jesus Cristo, enviara à terra para salvação das almas. Falava-lhes dos seus milagres e das suas parábolas santas que eram o Caminho, a Verdade e a Vida. Escutavam-no em silêncio, com estima e com respeito.
Ninguém lhes havia falado assim, do mundo e do além, do bem e do mal, com tal convicção, com tal fervor.
E começaram a ver na santidade daquele homem, que lhes despertava a alma com tal doutrina sublime, igualmente o perfil de um chefe que os orientasse nas lides quotidianas, que os guiasse na paz e na guerra.
E logo o convidaram para tão alto cargo que os honraria.
O santo homem ouviu, com seriedade, o convite, mas recusou-se a aceitá-lo, dizendo-lhes que a sua missão, ali, havia terminado. E que partia satisfeito por deixar, naquele castro do Monte de Roques, mais uma comunidade cristã, consciente do seu credo e disposta a defendê-lo e a divulgá-lo.
Nascia um dia primaveril, radioso, com o Sol a iluminar, mais verde, a paisagem de pinheirais, a florir de oiro as austrálias e as mimosas, a refletir o azul do céu nas águas do rio. O homem trepou para um enorme rochedo, que lhe era miradoiro maravilhoso sobre tudo em redor, e, ante o arrebatamento de todos, ergueu ao alto o seu cajado de madeira, lançando-o para longe, em direção ao monte vizinho, onde outro castro espreitava, sombrio e hostil.
Depois, sem hesitar, desceu até ao vale, entre alas comovidas, e desapareceu, num brilho fulgurante de Sol, para as bandas do mar. Na rocha que calcara, nesse dia do adeus, ficaram-lhe gravadas, com nitidez, as marcas das sandálias.
São as “pegadas do Santinho”, como lhes chama a tradição devota.
E aquele monte, para onde arremessara o cajado, passou a chamar-se Monte do Santinho, pois também ali passou a reinar a paz e a felicidade.
É pena que não se conheça o nome deste Santinho.
Se se conhecesse, fazíamos-lhe subir a imagem aos altares e, em data certa, havíamos de festejá-lo com missa solene e procissão, ao bimbalhar dos sinos, e, pela noite, com um arraial radiante de foguetório e do balancear dos viras.
E púnhamos-lhe aos pés, cestos de rosas. De muitas rosas.