Vila Nova de Muía, um cavalo e uma mula
Corriam agitadas as primeiras décadas do século XII. Por estas bandas, um povo lutava pela sua independência. Uma Nação dava os primeiros passos e começava a escrever sua História. Nas origens de Portugal, o Alto Lima e o mosteiro de Santa Maria Virgem de Vila Nova de Muía ajudam a conquistar o futuro...
Afonso Henriques já se havia revoltado e vencido o exército galego da condessa D. Teresa, sua mãe. Fora na batalha do campo de S. Mamede, junto ao castelo de Guimarães, no dia 24 de junho de 1128. O condado portucalense começava a ver nascer uma nova aurora.
Outras guerras aconteceram, entre o nosso infante e o seu primo Afonso VIII que, em 1135, na catedral de Leão, se autoproclamara “imperador de toda a Espanha”. O palco das contendas era sempre o Alto Minho. Até que, a 4 de julho de 1137, estabeleceu-se a paz, com a assinatura de Tratado de Tui.
Mas Afonso Henriques não contém a sua vontade de expansão. Ele sonha com uma Nação cujas fronteiras estejam para além do rio Minho. Ele deseja território da Galiza!
O primo apercebe-se da ameaça e sai ao seu encontro. O nosso rei – é assim que ele já se intitula - prepara o embate. Juntamente com os seu cavaleiros, terá estabelecido o quartel –general para os lados do mosteiro de Muía, recentemente fundado , dizem vários cronistas, por D. Godinho Fafes de Lanhoso, rico –homem que servira Dom Afonso VI, rei de Castela e de Leão, e o conde D. Henrique.
Chegados os dias da verdade, Dom Afonso Henriques avança. Para além de outros apoios, o mosteiro parece ter contribuído com um cavalo e uma mula. Aliás, o jovem rei, ao confirmar a respetiva carta de couto, em 1140-1141, afirma expressamente que o faz para agradecer tão importante dádiva em momento tão decisivo - pro illo cavallo e pro illa mulla -, acrescentando que a doação tem em vista o sustento dos religiosos e o acolhimento de viajantes e de peregrinos.
Quis, no entanto, a divina providencia que as terras da banda de lá do Lima, na veiga do Vez, não fossem testemunha de mais uma batalha que faria correr rios se sangue.
D. João Peculiar, arcebispo de Braga e intelectual de primeira grandeza, terá servido de mediador... Para defenderem a sua honra, barões e cavaleiros de ambas as fações vão enfrentar-se num torneio militar, um bafordo, como naquela altura se costumava dizer. O duelo é corpo a corpo. Vencerá quem mais inimigos conseguir derrubar.
Os documentos da época não falam em mortes. Mas isso não significa que o recontro se tenha ficado pela diversão espetacular de uma briga palaciana. Bem pelo contrário! Diz a tradição que a vitória sorriu aos nossos cavaleiros, porque mostraram uma coragem e uma abnegação sobre-humanas.
Ainda foi necessário esperar algum tempo - talvez dois anos - para que o acordo definitivo de paz fosse assinado pelos dois primeiros desavindos. Isso apenas aconteceu em 1143, na cidade de Zamora, na presença do enviado da Santa Sé, o cardeal Guido de Vico. Mas ninguém duvida que, para chegar aquela cidade, foi preciso passar pelas terras do Alto Lima. Passou por aqui a afirmação da independência de Portugal!
E o mosteiro de Santa Maria Virgem de Vila Nova de Muía ajudou a chegar lá...
Com o rodar do tempo, começou, no entanto, a perder o protagonismo das origens. Os senhores da Terra da Nóbrega começaram a devassar a jurisdição civil do couto, a ponto de, no tempo de Dom João I, “governando este este convento Rui Gonçalves de Mello, irmão de Rodrigo de Mello, camareiro D'El-rei”, o descontentamento ter chegado a presença do monarca. Segundo relata Carvalho da Costa, na sua Corografia do início do século XVIII, a queixa surtiu efeito, como o atesta a sentença condenatória do fidalgo usurpador, com data de 11 de Janeiro de 1404.
A verdade é que as disputas teimaram em continuar, agravadas pelo “mau viver dos raçoeiros do convento”. E, assim, com o passar dos anos, foi prevalecendo “o entrar nele a justiça da Barca”.
Reza a tradição que, no segundo quartel de quinhentos, os irmãos Diogo Bernardes e Agostinho Pimenta aí terão aprendido as primeiras letras, sob a orientação dos frades. Mas, nesta época, o mosteiro já está longe, muito longe, do brilho das suas origens.
De acordo com o relato de D. Nicolau de Santa Maria, cronista da ordem dos cónegos Regrantes de Santo Agostinho, o seu último abade comendatário foi D. António Martins, falecido em 1594. O mosteiro é, então, unido à congregação de Santa Cruz de Coimbra, tendo entrado na sua posse, em 2 de Fevereiro de 1595, o padre prior geral, Dr. D. Cristovão de Cristo. Para primeiro prior trienal foi eleito D. Agostinho de S. Domingos, cónego e mestre em Teologia, do mosteiro de Santa Cruz.
No reinado de Dom José, vários mosteiros são extintos. Entre eles, conta-se o de Muía, cujos bens e clérigos são transferidos para o convento de Mafra.
E assim a tirania do tempo que, lenta e inexoravelmente, tudo mergulha na bruma dos séculos. Ficaram, no entanto, muitas memórias gravadas nas pedras do cruzeiro, da igreja, do mosteiro e de torre defensiva de Vila Nova de Muía. E ficou, sobretudo, o orgulho de, por aqui, ter passado, no medieval século XII, a construção da nossa “ditosa pátria”... chamada Portugal!