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Lenda da Serra da Nó


Era uma vez um jovem rei moiro, Abakir, ambicioso e apaixonado, que dominava um vasto território de montes densos de pinheiros e castanheiros, de vales arados e amenos, por onde escorria um rio claro e lento, chamado Lima.

Um dia, entregue aos prazeres da caça que por ali havia abundante, rodeado por guardas, falcoeiros e cães de raça, eis que se lhe depara, guardando um pequeno rebanho de ovelhas, uma rapariga formosíssima, com umas negras tranças coroadas de papoilas vermelhas.

A beleza desta imagem logo entrou no coração do rei, sempre pronto a ceder aos encantos femininos.

E, aproximando-se da pastora, logo lhe rogou, com palavras ardentes, que o seguisse para o seu soberbo castelo, edificado na Serra da Nó, onde passava o mais aprazível do seu tempo e onde a receberia por esposa entre muitas outras que a sua religião lhe permitia desposar.

Mas a pastora, cujo nome era Zuleima, negou-se a acompanhá-lo, dizendo que não trocaria a sua vida, embora humilde, pelas maiores riquezas do mundo.


Indignado com tal recusa, Abakir ordenou aos guardas que prendessem a rebelde e a levassem, à força, para o seu castelo altaneiro.

Só a soltaria quando ela lhe pedisse perdão e acedesse aos desejos, ao seu amor nascente.

Mas o tempo foi passando, sem que a pastor se arrependesse da sua recusa.

E, com ele, aumentava a paixão e o desespero de Abakir.

Então, não conseguindo mais acalmar aquele amor que lhe abrasava o peito, mandou chamar Zuleima à sua presença e disse-lhe:

- Pede-me tudo o que quiseres, os maiores caprichos, os maiores tesoiros, que tudo te darei, se consentires ser minha esposa.

Respondeu-lhe, então, a pastora, com firmeza não destituída de doçura, pois também ela acabara por se enamorar do jovem Abakir:

- Concordarei em viver junto de ti, com a condição de ser tua única rainha e me seres sempre fiel.

Arrebatado, o rei imediatamente aceitou as condições impostas pela bem-amada Zuleima.

Então, o castelo da Serra da Nó abriu-se, em esplendor, às bodas reais, com festas nunca vistas nem sonhadas.

E alguns anos se passaram para a felicidade do casal, gozava no conforto do castelo, na alegria das diversões e caçadas, na contemplação daquela paisagem de maravilha

Entretanto, um numeroso exército cristão, forte e ousado, vindo do Norte, ia derrotando os guerreiros da Moirama e aproximando-se, perigosamente, dos domínios de Abakir.

Era urgente a fuga, o abandono da paz deliciosa da Serra da Nó e do seu castelo!

Mas Abakir resistia a tal imperativo e, com ele, Zuleima, os dois enfeitiçados pela brandura daquelas paragens paradisíacas.

Uma noite tormentosa, ao escutar, cada vez mais perto, o ruído feroz das espadas e das lanças entrechocando-se; o alarido da vitória solto das bocas dos combatentes cristãos e o gemido dos guerreiros moiros feridos de morte, o rei foi buscar, de entre os seus tesoiros, um velho e pesado volume, revestido de coiro lavrado a oiro, o Alcorão, o livro sagrado da sua religião, escrito por Maomé que, segundo o profeta, lhe fora ditado pelo anjo Gabriel.

E, na presença assustada da rainha, pôs-se a folheá-lo, lendo, em voz baixa, certas suas paisagens misteriosas, enquanto estendia a mão sobre Zuleima, sobre quanto o cercava, sobre si próprio...

E, quando, na manhã seguinte, os soldados cristãos galgaram, vitoriosos, os cimos da Serra do Nó, na ânsia de aprisionar Abakir e tomar-lhe o castelo, nada se lhes deparou, mais do que o silêncio verde da folhagem, alguma pedra musgosa no abandono da poeira. Somente, do galho de uma árvore, o trinado de um pássaro parecia troçar da funda desilusão da soldadesca: nem castelo, nem Abakir, nem a sua única rainha!

Mas diz-se que, em noites enluaradas, quando o arvoredo é de vagas sombras e o rio é de prata, vagueia pela Serra da Nó um vulto de mulher, envolto ora em vestes roçagantes e faustosas, ora na simplicidade do trajo campestre, evocando, quem o sabe?, a pastora depois rainha, decerto saudosa do seu rebanho, saudosa do seu castelo e do seu amado Abakir.

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