Lenda da Rainha Aragunta


No tempo dos reis e das rainhas, houve uma de nome Aragunta, Rainha de Aragão. Aragunta era uma senhora nobre e cheia de virtudes, sempre preocupada em agradar ao marido e em satisfazer as necessidades dos seus súbditos. Mas, como em todos os lugares, as invejas e as ambições infestaram os corações daqueles e daquelas que a serviam, fazendo com que intrigas e contendas sucedessem com frequência no seu castelo.

O seu marido rei não era homem para muitas conversas, nem para mexericos, interessado que estava no governo e expansão do seu reino. Deixava aos criados mais próximos e à rainha o governo do castelo. Como cada um queria tirar proveito da sua posição de criado fiel e diligente, denunciando ou inventando culpas para os outros, para chamar sobre si as atenções ou as desculpas, a paz dentro das muralhas começou a perder-se. Alguns dos servidores mais próximos do rei chegaram até a culpar a rainha pelos desmandos do castelo! Aragunta confiara no marido e na certeza de que ele estaria do seu lado perante as acusações de que era alvo. Desconhecia que se estava a formar uma infame intriga, em que ela era apresentada como a causa de todo o mal que acontecia à casa real e até ao reino!

Serena da verdade que lhe assistia, retirou-se um dia para os seus aposentos, para fazer as orações aos santos das suas devoções, como era costume fazer, quando uma das criadas, das de sua confiança, entrou na câmara real, ofegante e trémula:

- Majestade...!

- Diz Guiomar! O que é que te aconteceu para vires com tanta pressa e aflição?

- Acabo de passar pelo salão do palácio e ouvi uma coisa tremenda.

- O que foi, mulher? Senta-te e conta com calma.

- O vosso amado marido e meu senhor estava a ser industriado pelos criados, na companhia de D. Mendo, de acontecimentos em que a minha senhora era testemunha. Diziam que o que tem vindo a suceder, como já anteriormente haviam avisado sua Majestade, é culpa da minha Senhora. O rei está muito furioso e, exaltado pelos presentes, fala da necessidade de matar a rainha, já que ela não cumpre dignamente o papel que lhe cabe! Eles querem matar Vossa Senhoria! Temos que fugir quanto antes.

- Chama por D. Teresa e um lacaio, e vamos fugir para o castelo da furna, no outro lado do rio. Vai depressa!

Sabedora da sorte que lhe esperava, naquela mesma noite fugiu a rainha, disfarçada de indigente acompanhada pela amiga e por servos fiéis. Caminharam pela noite, só montando quando atravessavam lugar ermo e inabitado, de forma a não revelar a sua dignidade real. Chegados ao rio Minho, chamaram pelo barqueiro, que logo veio para os levar para a outra margem.

Há já algum tempo que o rei dera pela fuga da rainha. Se antes estava zangado pelo incómodo das culpas que apontavam à rainha, dando-a como indigna da sua condição, agora gritava de fúria por tão grave decisão da esposa. Ele não ia consentir tal agravo, deixando que ela fugisse sem uma condenação exemplar. Acompanhado de numeroso séquito, partiu imediatamente na mesma noite em perseguição de Aragunta.

A rainha conhecia o ânimo e tempero do rei, e por isso sabia que ele não ia descansar sem a perseguir. E como só tinha um pouco de avanço, pela surpresa da fuga, havia-o limitado pelo facto de por vezes ter de caminhar ao lado da montada que o seu criado segurava. Tendo consciência deste facto, ofereceu ao barqueiro duas moedas de ouro para que ele demorasse o rei na travessia, enquanto ela recolhia ao Castelo da Furna. O barqueiro não sabia como fazer frente ao rei ou fazê-lo passar tempo para o atrasar, sem que o rei não descobrisse a estratégia. Por isso, resolveu afundar o barco e foi para casa. Quando a comitiva perseguidora chegou, chamou-se pelo barqueiro. Correu este imediatamente para quem o chamava, avisando-os que naquela noite não tinha qualquer barca disponível, porque os bandidos tinham-nas roubado na noite anterior. Se queriam passar o rio deviam subir um pouco mais a margem, que encontrariam outro lugar e barqueiro que faria o serviço.

Entretanto já Aragunta tinha chegado à Furna e bem acastelada. Veio o rei pôr-lhe cerco, procurando a rendição pela fome. E se o rei conhecia a rainha, sabia que ela nunca se iria render, o que lhe resolvia a tarefa ingrata de ter de matar a própria esposa. A Fome e a sede encarregar-se-iam de a matar!

Mas dentro do Castelo, Aragunta descobriu uma fonte, que a alimentava de água sempre pura. Aquela fonte, que brotara da rocha, alimentava-a na coragem da resistência. O rei mantinha o cerco e os do castelo resistiam. Passaram-se quinze dias sem rendição de qualquer das partes, até que uma águia, vindo de apanhar uma belíssima truta no rio Minho, que carregava no forte bico, ao passar sobre o castelo, assustada por algum ruído ou sombra, abriu o bico, largando a truta que veio a cair mesmo dentro das muralhas.

Os sitiados viram naquela truta uma oportunidade para saciar a fome que os incomodava. Mas Aragunta não pensava da mesma maneira, apesar de ter tanta fome como os demais. Mandou que a levassem ao rei, que estava em seu acampamento, num lugar que depois se veio a chamar de Trute. Este lugar de Trute está agora no concelho de Monção... Vendo a oferta que a rainha Aragunta lhe enviara, o marido vingativo cedeu, pois compreendera que a rainha estava protegida pelo braço divino. Levantou o cerco ao castelo e enviou mensageiros para comunicar à rainha que lhe perdoara a rebeldia.

Os que estavam com a rainha viram no perdão do rei o regresso dos privilégios e da dignidade de Aragunta, mas esta não quis regressar com o rei ao seu palácio. Preferiu Aragunta ficar por aqueles lugares, terminando a vida com devotos exercícios e grandes penitências, enchendo de graça e de bênção todos os lugares por onde passava. Quando morreu, passados longos anos, a pequena chã dentro do castelo ficou conhecida como a Horta da Rainha, nome que ainda hoje conserva. Crente nas graças da água que alimentou tão nobre pessoa, o povo passou a ir à p ia onde brotara essa miraculosa água nas manhãs de S. João.

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